sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

TECNOLOGIA CAIÇARA: DOS PETRECHOS À FIBRA ÓTICA


DOS PETRECHOS ÀS FIBRAS ÓTICAS

A noção pós moderna do termo tecnologia, nos remete a objetos e sistemas com materiais fosforescentes, nanotecnológicos e microssistêmicos de interligação remota....

Casa na Praia de Palmas, na Ilha Grande,
em Angra dos Reis,
ainda no estilo tradicional e
sem materiais agressivos
e sintéticos de construção.

Foto de Acervo pessoal; 2016
Porém, o conceito de tecnologia, no ramo da antropologia, sim, é também uma forma adaptativa de um povo, ao meio natural, produzindo conhecimento mais pela força da perpetuação genética, do que propriamente uma evolução de invento pré existente.  


Modo de fundação de casa de pau a pique


Assim, os petrechos de pesca e caça, a sabedoria da lida dos humores oceânicos e ainda as formas ancestrais de engenharia imobiliária, naturoterapia e modus vivendi em geral formam um banco quase infindável de técnicas multiétnicas, mas de tronco de base lusíada em seu substrato sociológico fundamental. Esse banco de informações pode ser acessado somente pelo contato intergeracional, pois esse jogo de vai e vem, retroalimenta a tradição de oralidade.
Nesse sentido, falar em tecnologia caiçara, de forte teor autóctone, não seria apenas um conteúdo de tendência tecnicista-acadêmico, mas acima de tudo a citação explícita de construção civilizatória local, ainda que na grande parte, com matéria de base transitória e de extração primitiva. Mas não é isso mesmo a tecnologia?
Indígena guarani trança um vaso com palha,
com claro código binário, inclusive nas cores.
Foto do meu acervo pessoal, Paraty, 2013.
Assim, a cestaria do tipiti, do cipopeva e de outros objetos artesanais, evoca a inteligência e o abstracionismo necessário dos grupamentos tradicionais da gente praieira (ainda que em moradias esparsas). A fórmula binária 0-1 ou 1-0, está presente fortemente no trançado desse utensílios de palha e cipó.
Cestos, redes, frascos, toalhas, luminárias e até mesmo tamboretes, formam um acervo rico em entrelaços verticais e horizontais.
Também não é mera criatividade artística, de lazer, mas ao contrário, tem função real e utilitária. Mas design está presente e no ideal de agradar inclusive; são pessoas e interagem.
Cestaria do tronco etnológico da nação Guarani.
Material leve,
fácil de manusear,porém resistente.
Foto do meu acervo pessoal; Paraty, 2013.
A decodificação dos rituais sociais presentes nos linguajares e formas de chegança ao vizinho ou de relação psicofamiliar/ sexual, constitui formas também de elaborado e complexo mas subentendido manual de operação; verdadeiro passo a passo para mantença dos costumes comportamentais e reprodução material.
Outra tecnologia caiçara e talvez das mais presentes, são as técnicas de palamenta, ou seja, tudo que é necessário para a embarcação e ainda os métodos construtivos de armação. São cálculos exatos de arqueamento, números combinados estruturais, medições com trena para abastar o madeiramento e ainda prumo para partes retas. Até mesmo percepção espacial para conforto nos cômodos internos, ou seja, arquitetura.
Há muitos saberes empregados na fabricação de inúmeros objetos, veículos, vestuário e paramedicina.

Sim, temos tecnologia badjeca!

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

UMA TERRA DE FORTES....

Conflitos sócio-ambientais e territorialidade caiçara
  
“A criação de áreas naturais protegidas em territórios ocupados por sociedades pré-industriais ou tradicionais é vista por estas populações locais como uma usurpação de seus direitos sagrados à terra onde viveram os seus antepassados, o espaço coletivo no qual se realiza o seu
modo de vida distinto do urbano industrial”. (Diegues, 2004:65)
 

A imposição de neomitos sobre a natureza que seria intocada serve como justificação para a geração de áreas protegidas que desfavorecem a população local para favorecerem a população urbana. Esta relação vertical do poder público sobre o meio ambiente “em nome da nação” tem gerado conflitos graves. Em muitos casos, eles têm acarretado a expulsão de moradores tradicionais de seus territórios ancestrais, como exige a legislação referente ás unidades de conservação restritivas.
Reconstituição de uma família caiçara tradicional:
No fundo, a Igreja de Nossa Senhora dos Remédios da Ribeira (1772),
na Baía da Ribeira, em Angra dos Reis, RJ. Agnes(criança),
Eduardo(paletó), Maria Célia(sinhá),
Cristina Perfeito(mucama) e Maia(padre).
 
Os moradores locais vêem este empreendimento como um roubo de seu patrimônio histórico, de sua cultura, sua identidade, sua moradia e seu espaço, tanto local de trabalho quanto provedor das ferramentas de trabalho. Eles reivindicam direitos estáveis de acesso, controle ou uso da totalidade ou parte dos recursos aí existentes.
Os recursos existentes em uma comunidade caiçara são de acesso comunitário.

“Essas formas de apropriação comum de espaços e recursos naturais renováveis se caracterizam pela utilização comunal (comum, comunitária) de determinados espaços e recursos por meio do extrativismo vegetal (cipós, fibras, ervas medicinais da floresta), do extrativismo animal (caça,pesca), e da pequena agricultura itinerante”.(Diegues, 2002:66)
Observamos na organização do espaço caiçara a raridade de cercas, servindo, quando existem, para impedir a entrada de animais a horta perto da casa.
A transferência de um espaço caiçara coletivo ou comunitário para uma área estatal de acesso restrito administrada por um órgão ambiental do governo que possui diretrizes claras de atuação, as quais limitam substancialmente os direitos dos moradores,
constitui um choque social, cultural e, sobretudo vital para esta população privada de sua rotina de subsistência.

A cerca caiçara: Deu origem ao nome dos povos tradicionais sudestinos do litoral.
Cercas e muros praticamente inexistiam entre as comunidades antigas, dos povos litorêneos.


Territorialidade física
 
 
A territorialidade caiçara se constrói diariamente sob práticas que legitimam o seu poder de ação sobre o seu espaço vivido. O caiçara têm o domínio sobre o seu espaço e sobre suas técnicas de trabalho. Estas técnicas são aplicadas na apropriação, na manutenção e na produção deste espaço, lhe garantem sua permanência, seu poder e representatividade através dos seus objetos e suas localizações sobre este espaço.
Marcos Testemunhos: São os "pais" do GPS; são as georeferências, mas também marcam a posse estatal.
O manejo espacial que o caiçara pratica em seu dia-a-dia, em sua localidade distante do poder público, na qual a organização territorial é coletiva e advém de seu entendimento de composição e disposição espacial. Nestas praias isoladas umas das outras e dos centros urbanos, as informações e conhecimentos são passados e adquiridos de boca em boca com a devida importância do papel exercido pelo grupo familiar. A territorialidade se dá devido à acumulação de saberes tradicionais, transmitidos de pai para filho há muitas gerações. Estes saberes tradicionais são materializados através do trabalho e da produção caiçara.
O antigo e o novo: barco tradicional caiçara e ao fundo, invasão no bairro Camorim, em Angra.
 
As nove escolas municipais da Ilha Grande são fonte de informação e representam para as localidades onde estão situadas, a única representação do poder público operante no local e proximidades. Observamos que quando os mais velhos relatam sobre seus antepassados, estes os descrevem fazendo atividades que são de suas práticas cotidianas. Esta cultura independente, caiçara, possui como principal transmissora de conhecimento, a sabedoria popular transmitida tradicionalmente de boca em boca.
A interação com a mata atlântica e o mar é condicionante para a incorporação de uma série de conhecimentos inerentes á vida nela. Desta forma, seu abastecimento e a
sua sobrevivência neste meio são fruto de sua própria construção é garantido ao caiçara pela sua própria força e vontade.
 
Alexandre Cigagna Wiefels