sábado, 7 de outubro de 2023

SRA. LUZIA E SEUS DONS DE CURA


1- A rezadeira para todos

 Há muitos anos, no bairro Belém, floresceu uma família que tinha um dom especial, a partir de sua matriarca, a pequena na estatura e grande na força espiritual : dona Luzia Dias da Rosa ou dona Luzia.

Atendia a todos que precisassem, pobres, ricos, religiosos, ateus, enfim, quem precisasse e acreditasse em suas rezas de base cristã católica.

Teve 7 filhos: Silvana (ótima pessoa, conheci, mas já falecida), Luiza, que me passou várias informações, Paulo, Pedro, Sônia, Andréia e Silvia.

Seu esposo era Pedro Adolfo Rosa.

Seu sogro era Hercílio Diniz Rosa e a sogra Benedita do Rosário, ambos de famílias tradicionais caiçaras.

A lembrança que tenho eram as sessões de reza e bençãos que ela fazia pelo meu pai, lá mesmo no bairro Belém. Meu pai parecia sair aliviado e feliz.

Ela trabalhou na nossa casa no centro de Angra como diarista e na verdade era uma como uma parente nossa , muito querida.

2- Luzia, a iluminada.

De pais provenientes de antigas famílias  angrenses, seu pai se chamava Veriato Benedito Dias e mãe Maria  Luiza da Conceição, dona Luzia teve seu desabrochar do dom de conselho e cura desde criança... já era uma menina especial entre os moradores.

A região da Japuhyba e especificamente do Belém, é de colonização muito antiga, ao contrário do que muitos acreditam; sua igreja católica é do século XIX (200 anos) e há uma estrada de pedra, obra monumental,  feita pelos escravizados, recentemente registrada por nossa equipe, onde passavam tropeiros, viajantes, barões e contingentes de escravizados, ouro, pedras preciosas, etc...estrada essa que ia até a atual Lídice e seguia para o Vale do Rio Parahyba e região.

Clique aqui e conheça a rica História do Belém e a arquitetura da estrada dos escravos

Hoje semi abandonada,
(há uma mais moderna em outra rua)
a Capela de São Sebastião
 tem muita história...

Imagens estão no Museu de Arte Sacra municipal

As rezadeiras do Brasil,  senhoras de honra ilibada e conhecedoras de fitoterapias naturais , tem linhagem matriarcal e exerciam seu mister normalmente nas horas vagas após os afazeres domésticos e da lida da agricultura.

Eram exímias parteiras , lideranças comunitárias e até  conselheiras de casais . 

3- As orações 

Segundo Silvana, que me ajudou na pesquisa para este artigo, a quebra do quebranto, que era o mal estar e  de crianças , na maior parte, se tratava de um torpor, falta de apetite, crise depressiva e até febre e bocejar constante.

Assim era feita: 

Com um pouco de leite materno num prato ou pires, com casca de alho ,  ela invocava a presença de Deus (Santíssima Trindade), com o sinal da cruz na testa da criança, e com a criança de cabeça pra baixo, em voz muito baixa, fazia orações . A criança ou adolescente dali  mesmo já saia brincando, cantando e com apetite...

Já para a dita espinhela caída, que poderia ser hoje problemas na coluna vertebral, artroses ou inflamações musculares, ela fazia o seguinte rito :

"Espinhela caída sai desse lugar,

assim como Jesus Cristo está no Seu altar.

Três maiores no mar (Três Reis Magos?), Três missas de Natal.

Espinhela caída, sai desse lugar."

Também era as vezes pedido que a pessoa se penduradar na soleira da porta do recinto para certificar-se da cura. Este ritual eu mesmo assisti.

Já para destroncado (luxações, fraturas, torções), muito comuns no meio rural e de pesca, era o seguinte misterioso fenômeno:

Com uma vasilha (pequena panela, prato fundo, etc) cheia de água fervente, e em cima uma tesoura aberta e um pente de cabelo comum, dentro de uma bacia de metal, a água milagrosamente se movia da vasilha para a bacia, sem ninguém tocar e o "paciente", ali próximo ,  realmente sentia no local do corpo um calor inexplicável e como se os ossos ou os nervos se realinhassem e desinflamassem, saindo curado .

Normalmente, por gratidão , as pessoas faziam uma doação espontânea em dinheiro e até depois, voltavam com presentes e agrados como frutas e doces caseiros.

Reprodução de xilogravura do Ateliê Puta Paiva, Bahia

4- Um resgate da memória afetiva.

Nosso objetivo nesse artigo inédito sobre essa angrenses tão querida por gerações, mas cujo legado de amor e dedicação estava adormecido há no mínimo 30 anos...foi trazer as bases de uma revalorização da História de alguns bairros e suas personagens reais e ao mesmo tempo, etéreas.

Nosso trabalho é de arqueologia social.

Assim, agradecer a a Luiza, aliás que foi amiga quase irmã, de minha madrinha de batismo, a saudosa também outra Luiza, a Lú Queiroz, mas essa já é outra estória...

Luz de todos, dona Luzia !


Carlos Eduardo da Silva

Prof. Lic.

06 de outubro de 2023