terça-feira, 21 de março de 2017

ASSEIO PESSOAL E CIÊNCIA NA FABRICAÇÃO DO SABÃO DE CINZAS DOS CAIÇARAS

Na vida contemporânea, ainda que seja longe dos grandes centros urbanos metropolitanos, a indústria da higiene e dos cosméticos lança no mercado consumidor de vilarejos, bairros e ilhas, toda sortidão de sabonetes em barra ou líquidos, de aromas tradicionais de glicerina e até exóticos como a jabuticaba ou cerejeira (Amburana Caerensis), que é aromática. A grande parte com preços acessíveis.

No entanto, a cultura caiçara e também dos grotões caipiras, era alijada dessas facilidades, tanto pela geografia quanto pela dificuldade de compra de importados, como era o caso do sabão do "reino", que vinha de Portugal, no século XIX.
Já nas fazendas mais abastadas, vinham sabonetes da França, guardados nos toucadores das "sinhás" e dos donos de engenho.

Técnicas que remontam aos povos tupinambás, mas também conhecidos pelos egípcios e outros povos antigos,  repassados por tradição familiar oral, usam as cinzas da queima do fogão a lenha e banha de porco para fazer a liga.
O sabão de cinzas era multiuso: ariava panelas, lavava roupas e era usado nos raros banhos, quando de festas ou visitas importantes, como o padre, uma viagem ou a noiva.



Ainda viva no Estado de Minas Gerias e interiores da região Nordeste, além de raros povoados entre os caiçaras, as cinzas são então usadas para preparar a dicuada, uma lixívia de cinzas. Para obterem-na Dona Rosa usa um “barde” e água, mas no modo tradicional usam um balaio redondo feito com taquaras de bambu de tamanhos variados (50 a 100 litros, ou maior),ou tipiti de timbopeva, o qual é forrado internamente com folhas de bananeira antes de colocarem as cinzas. As folhas funcionam como um filtro que retém a parte insolúvel das cinzas e deixa atravessar a solução. 

Chamam esse balaio de “barrilero”, que também pode ser forrado com um saco de pano ao invés das folhas de bananeira, tendo o mesmo efeito. Mas, como chegaram a este dispositivo? Como descobriram a sua aplicação na produção desse sabão? Como perceberam a possibilidade de usarem folhas de bananeira para reter a parte insolúvel e desnecessária das cinzas?  As cinzas são compactadas no barrilero usando um soquete ou mesmo as mãos “pra ficá bem socadinho”. 

Caso contrário, se as cinzas não forem bem compactadas, se não “enfiá ela bem na vasia”, deixar “bem socadinho”, se “pô a cinza lá só e pô a água”, a dicuada “não sai tamém não”: “aquilo sai raliiiinho”, torna-se diluída, pouco concentrada.  
O local de asseio pessoal era externo ao prédio da casa principal...no quintal.

As cinzas usadas no preparo do sabão normalmente provêm de fogões e fornalhas a lenha. A madeira sofre combustão nesses locais e o produto final remanescente é a cinza. Sua composição depende do tipo de madeira utilizada. Comumente, cinzas de plantas contêm compostos inorgânicos provenientes das plantas e pó de carvão produzido na combustão. 



Tais como a madeira da Assa Peixe – Vernonia polyanthes Less, a palha do feijão – Phaseolus vulgaris, e a palha do café – Coffea arábica.

Apesar das possibilidades de reaproveitamento da dicuada na forma de "um sal", o sabão de cinzas raramente é preparado usando somente o resíduo remanescente de sua secagem. O mais comum é usarem a lixívia de cinzas.  Aí depois... aí que "apura o sabão”. Outro procedimento atestado das mulheres é o uso de água quente para obter a dicuada. 

A água quente favorece a dissolução do carbonato de potássio, uma vez que esta é endotérmica (DEAN, 1987). Ao ser dissolvida pela água, essa substância dissocia-se e o ânion carbonato sofre hidrólise tornando a dicuada alcalina: O sebo provém da vaca ou do boi e a gordura ou torresmo do porco. São materiais sólidos na temperatura de 25° Celsius. Ambos contêm triglicérides, como a triestearina ou triestearato de glicerila, por exemplo, e pequena quantidade de ácidos graxos livres. 

A maior parte dos ácidos graxos encontra-se combinada nos triésteres, os quais se decompõem em soluções aquosas alcalinas liberando ácidos do tipo mirístico, palmítico, palmitoleico, margárico, esteárico, oleico e linoleico, que irão então reagir com o carbonato de potássio presente na dicuada e produzir sabões. 



O sebo de boi normalmente contém maiores quantidades dos ácidos esteárico (octadecanóico), palmítico (hexadecanóico) e oleico (octadec-9-enóico). 

Fórmula típica de um triglicéride, onde R (cadeia de átomos de carbono) pode variar Fórmula estrutural da triestearina 14 Ácido esteárico Ácido oleico Referência DEAN, J. A (Ed.). Lange’s Handbook of Chemistry. 13. ed. New York, 1987, Tab. 10-2, p. 10-15.




Por tudo isso, o povo caiçara tinha asseio quimicamente estruturado, mesmo com matérias primas naturais.
E hoje, num mundo que sofre com a antropização acentuada, jogando nitritos em rios e mares, pelos esgotos...o sabão de cinzas é uma alternativa.

Parte do texto:http://www.campusvirtual.ufsj.edu.br/mooc/ciencianacomunidade/wp-content/uploads/2015/07/As-mulheres-de-Minas-Gerais-e-o-sab%C3%A3o-de-cinzas.pdf e também figuras da internet



sábado, 18 de março de 2017

TABOA (Typha domingensis):NA CAMA E NA MESA

A taboa é um dos mais versáteis vegetais arbustivos aquáticos, que temos nos alagadiços, pântanos e brejos brasileiros. Embora seja encontrada em todos os continentes, com exceção talvez da África.
A tradição caipira e porque não, também dos caiçaras, sempre usou essa planta, para o conforto , como  a esteira de palha chamada tarimba e com a paina, se enchia travesseiros, esses, feitos com capas de chita ou até mesmo de sacos de estopa reaproveitados de feiras.
Meus antepassados em Lídice(Rio Claro,RJ) levavam as crianças para ajudar a colher, e minha mãe nos conta as sensações, magia e dificuldades....a friagem sim, mas também o divertimento com as flores voando e as cobrindo de penugem... levadas pela brisa.
O pior é a colheita, pois é nos meses de frio, entre julho e agosto quando ocorre sua inflorescência.
Somado ao perigo de contato com animais peçonhentos como cobras e aranhas, que escondidos nas folhagens e na água de alagadiços, fazem seus ninhos e teias naquele emaranhado de folhas.
O frio, o sereno gelado e o vento trazem uma sensação térmica ainda mais congelante...

 A fibra que se faz utensílios domésticos como cestos, chinelos e até pequenos tamboretes de madeira com o assento desse material, vem da folha, secada ao sol.
Retira-se em fiapos grandes.

 O que muita gente não sabe, é que há partes comestíveis, quando a planta está jovem.
Do broto, se extrai um palmito bem macio. Presente nas cozinhas caipiras, sertanejas e caiçaras há séculos.
Já a espiga, se cozinha e pode ser usada inclusive em purês e sopas com temperos como cebolinha e salsinha.
O pólen, que é a parte transparente que sai do alto, podem ser comidos in naturae, ou aproveitados na culinária simples, como doces.

 Suas sementes bastante oleaginosas, são equivalentes ao óleo de girassol.

 O artesanato se destaca e é a forma mais conhecida da taboa, pois dinâmica, a palha fibrosa vai desde cestos, bolsas e bijuterias até calçados e objetos decorativos representativos da floresta , como peixes, pássaros e formas geométricas. Há muita influência indígena no design.

Indubitavelmente, a taboa, pau-de-brejo, capim-de-lagoa, paineira -do-brejo, etc...é nossa companhia desde tempos imemoriais, tanto na habitabilidade quanto até mesmo na nutrição.


VESTIMENTAS DO POVO CAIÇARA - TRAJES FEMININOS


 As companheiras dos caiçaras , mulheres fortes, destemidas e inteligentes, com muita fé na vida e perseverança arraigada em suas origens luso-mamelucas, na sua religiosidade  e sabedoria ancestral forjada no adaptar da sua civilização tropical, sempre se vestiram de forma pudica, ainda que com uma desenvoltura naturali.
É nessa ambientação que suas vestes foram sendo constituídas aos poucos, no intercâmbio multiétnico intertemporal.
Minha avó Carminha (Maria do Carmo de Oliveira) dizia:
_"Mulher não deve mostrar o braços, nem o pescoço e muito menos o ombro."

Sibélia Lara dança o chiba-cateretê,
no Centro do grupo folclórico, em Tarituba, Paraty. 2015
Assim, com panos baratos e de tecitura mais fechada, leve e simples, como algodão, cambraia, fustão ou chita, faziam suas roupas, de seus filhos e maridos, a mão ou em teares movidos a energia mecânica por pedal e roda, o suficiente para pelo menos duas ou três peças para alidá do dia e uma especial, mais requintada e com gomos e bordados, para festas da capela e casamentos.
Sem brocados, brincos, jóias ou camisaria luxuosa, enfeitavam-se de flores do maracujá, da laranjeira, colares de buzos e conchas e de lenços acetinados trazidos por seus pais e maridos, dos centros urbanos.
Os diversos grupos de dança folclórica em Paraty(RJ), Ubatuba(SP), Cananéia(SP), Bombinhas(SC), etc, usam figurino com poucas variações, demonstrando que não se trata de uma fantasia ou mera construção ideológica, mas sim, de uso vestuário comum, ainda que em forte desuso.
A mulher caiçara sempre usava chapéu de palha, devido a intempéries, como o sol e o sereno.
Um outro item do vestuário era o avental, sempre cuidando do fogão a lenha (hoje a gás), mas também limpando peixe e camarão, lavando roupas em riachos, fazendo farinha na Casa de Farinha ou fazendo tipiti.
Enfim, ainda que não padronizado , mesmo no período antes dos chocantes anos 1970, (pré-abertura da rodovia BR101), essas eram as peças básicas cotidianas da caiçara.


quinta-feira, 16 de março de 2017

VESTIMENTAS DO POVO CAIÇARA - TRAJES MASCULINOS


 
Foto: cesto de tipiti com tamancos,
na sede dos Grupo Folclórico de Tarituba,

em Paraty.Foto:Minha, 2015
Típico calçado de matéria natural:
tamanquinho  caiçara
Pescador de Ubatuba; seus trajes nessa foto fortuita,
 comprovam o padrão básico de vestimenta.
 


A calça: O traje típico do profissional do mar, ainda que pescador artesanal - nos moldes do linguajar jurídico brasileiro - e do morador praiano, da cultura caiçara, era a calça até o joelho ou canela, para não molhar na saída/embarque das canoas ou na pesca a beira mar.

As calças eram de tecido grosso, como brim e tinham um cinto de corda trançada ou de couro.

Por que não usavam bermuda??

Alguns até usavam, mas a maioria, católica e no âmbito de um ethos próprio e temporal, se cobria com mais pudor.

A camisa era de tecido mais fino, de algodão cru ou até de casimira. Era usada dobrada, até o antebraço.Só nas missas e festas , se usava fechada nos punhos.
O lenço:O lenço era de tecidos diversos, mas o mais comum eram panos rústicos , que tivessem absorção. Era multiuso, como secar o suor, servia como guardanapo e até estancava  sangue de algum pequeno corte.

O chapéu de palha, era a proteção FPS do povo antigo, contra os raios ultravioletas.

Lembro do meu avô Tonico, com 93 anos, sem uma ruga e olha que era loiro de olhos verdes!
Hoje o tamanquinho é feito com fitas mais modernas, de tecidos sintèticos,
mais confortáveis, mas ainda com solado de madeira.

Os povos colonizadores fronteiriços á grande Mata Atlântica caputera, ou seja, mata escura, se adaptaram ao viver na fronteira entre as ondas e o interior regional, onde viviam e tinham relações esporádicas, mas comuns, com os caipiras.
São mestres de resistência!

domingo, 12 de março de 2017

PARQUE NACIONAL DO ITATIAIA: VERÃO INESQUECÍVEL!

UM VERÃO INESQUECÍVEL...

Eu, minha companheira, a filhota e pais, estivemos nas maravilhosas montanhas de altitude , em Itatiaia-RJ no último fevereiro...uma experiência de emoções e cores.
Fazendo 80 anos de fundação, o Parque foi o primeiro federal do Brasil!
Chegamos por volta das 11:30h (saímos de Angra umas 8h) e fomos á sede. Antiga, como um palacete, tem várias exposições , sendo fixas e outras temporárias.
Ainda que tenha vários problemas de manutenção física, o prédio continua com sua imponência original.
Mais uma vidraça da exposição fixa.
No local não tem restaurante e a lanchonete do parque, na trilha do Poço Azul, estava fechada...
 
Microflores das matas locais...
 
Uma das mais lindas fotografias já tiradas por mim:
uma borboleta em meio ao colido de frutas silvestres e floradas multi.
Após almoçarmos fomos ao Poço ou Lago Azul com suas escadarias e borboletas...mas estava verde! É questão de época do ano e posição do sol.
Meu pai reclamando das ruas(na verdade é uma rodovia federal, BR-485), com muitas ondulações e barro, na maior parte sem asfalto eo piso asfáltico sofrível....mas com vistas panorâmicas deslumbrantes.
A magia mesmo fica por conta do Circuito Maromba, há mais de 1100m de altitude do nível marinho... lembrando cenas cinamatográficas como o bosque dos elfos, de Valfendha, do filme Senhor dos Anéis...mas com o toque, os cheiros e cores da tropicalidade brasileira e sua biodiversidade caleidoscópica!
Exposição permanetnte e muito rica
 
 
Mas a surpresa maior foi na cachoeira Véu de Noiva....o caminho da trilha tem momentos por si só inebriantes, com pontes curvadas, escadarias a beira de penhascos e muita água, orquídeas, helicônias e briófias vermelhas!
Queda da Poranga....
O jogo de sombra e luz, com nuances de tons pastéis dos musgos e folhas....surprende!
 
 
Verdadeira ambientação cinamatográfica de encantamento...
 
Líquens:sinais de grande diversidade da biota.
E ao chegar lá no alto da montanha...após passarmos por uma gruta granítica...e uma ponte de madeira ....o choque: descortina uma enorme cascata que surge do céu azul....
Com neblina refrescante e que ao banhar-se, o trilheiro recebe uma verdadeira ducha de massagem...












 

 Mas antes da sede, uns 2km, tem umas lojas e um restaurante bem fraquinho, mas alimenta. Nas lojas há cachaças locais, licores de jabuticaba, doces de maracujá, chocolate, compotas de goaiba, camisetas, artesanato com tema da Mata Atlântica e até um guia de birdwachting da fauna local.


Na saída, já indo embora, um  espetáculo dos macacos prego( sabajus Cebidae)  atravessando a estrada e posando para fotos...

Samambaias rosáceas...

Chaças artesanais da região, com canela, ou pinga pura.

Verdadeioros portais para águas geladas...

 
Fico imaginando a vida exótica e natural da nação macro-jê Puris (Telikong) que habitavam o cenário.
Não dá vontade de descer a serra...