Dístico jesuíta:"Conforme Seu Grande Nome' |
A Serra do Matoso é uma formação de granito com veios de gnaisse, entremeada por matacões que afloram em grandes picos no meio da mata ombrofila. Está situada após as grandes planícies de Itaguaí, antiga Tagoay.
Foi uma rota comercial de tropeiros (ouro, tecidos, pedras preciosas, gado, tráfico negreiro,etc).
Além de militares, missionários e administração, por 150 anos , do séc. XVII ao XIX.
Visão da pista de vôo livre/parapente. |
Percorremos sua sinuosa estrada de subida, com belas paisagens ,dois mirantes ("Imperial" e do salto de parapente) e resquícios de trechos de calçamento do Caminho Novo da Piedade.
Trechos de calçamento do século XIX |
1-A Casa senhorial, sub-sede administrativa dos Jesuítas.
A Expedição fincou referência e base de apoio na histórica fazenda Santa Thereza.
Os padres da Companhia de Jesus já conheciam a região desde o século XVI e se estabeleceram... Litografia aquarelada de Iohan Moritz Rugendas, 1835 |
A- Sede
A Serra do Matoso tem esse nome porque houve um proprietário no século XIX, que teve venda e imóvel na localidade.
Na Faz. Santa Thereza, antiga construção originada jesuíta do século XVIII (erigida por volta de 1755) e que era submetida a grande Fazenda da Santa Cruz e reconstruída aos moldes do fausto cafeeiro em 1857, fomos recebidos com champanhe/drink de boas vindas, a "mimosa", um belo café da manhã com produtos locais e depois, um passeio pelo rico acervo arquitetônico e cultural com o simpático Álvaro, proprietário e incentivador do turismo e sua esposa Magna, além dos seus ajudantes Sr. João, a sua sobrinha Daniela e a cozinheira talentosa Sra. Anira, esta com mais 45 anos na fazenda.
O almoço, com mesa requintadamente posta ( mas clima descontraído) com quitutes da roça, é incluso no valor do day use, portanto, é bem servido.
Local ótimo para birdwatching (observação de pássaros).
Trata -se de prédio em corpo único, com janelões em esquadria reta de madeira, formando a verga (com sobreverga em alvenaria), ombreiras/umbrais e o peitoril. A verga é em arco abatido.
Esses vãos são fechados por guilhotinas a inglesa. Numa planta colhida em 2009, pelo INEPAC (Instituto Estadual de Patrimônio Cultural) havia 22 janelas, nas laterais e frontais.
É um sobrado sobre porão , este com seteiras militarescas. As seteiras desde a Europa, sempre foram uma solução arquitetônica de defesa e tiro. No presente caso, um facilitador de ângulo contra ataques de traficantes de escravos, bandos de criminosos e principalmente , contra paulistas bandeirantes que odiavam as Missões evangelizadoras ou posses da Companhia, aliás bem mais tecnológicas e prósperas que as vilas coloniais civis. Inclusive embora administrada por padres, a fazenda era comercial e produtiva.
Clique e assista:
FILME: Cena de ataque de paulistas bandeirantes traficantes de escravos indígenas
O uso de roldanas e cabos tipo tirolesa já era comum ,por exemplo, para retirar a produção de bananas, cocos e pedras para construção, de montanhas e minas...
Seteira |
É o caso da face esquerda lateral do casarão.
Na lateral esquerda, há uma escada com detalhes em cantaria, com volutas. |
As partes internas tem piso em tábua corrida , com partes úmidas/frias em piso de ladrilhos hidráulicos, provavelmente dos anos 1960/70.
B- Análise arquitetônica e mitológica da pia rochosa do pátio interno
Constituída de peças independentes de granito, todas com entalhes em cantaria e portanto, pedra lavrada.
O telhado possui em cada extremidade um pináculo (A1 e A2). Os umbrais (B1;B2) tem peristilo com fuste simples retangular, sendo ambos de peça lavrada única. Possuem ainda entablamento com cornija/arquitrave (G) e um frontão (F).
As figuras antropomorficas (C e D), ainda que possam aludir aos elementos feminino e masculino, pois tem no meio um cão, símbolo popular da fidelidade, na verdade seriam harmoniosas com a função semiótica de tessera ou transitum. Portanto, consagrando a idéia de movimento/metamorfose, assim, vetorizando o ideário cristão da metanoia.
O zoomorfo (E) ali presente é nas culturas mesoamericanas o cão guardião e majoritariamente guia, da região da morte.
Imagem em https://ferrebeekeeper.wordpress.com/2010/05/28 /xolotl-god-of-sickness-deformity-and-misfortune/amp/ |
Portanto é de nossa tese, que aquela simples bacia d'água também era além do uso corriqueiro de higiene , uma pia batismal, tanto pela monumentalidade material, elaboração artística, mas principalmente a carga psicológica dos marcos étnicos. Baseados nas seguintes premissas :
1- Não são casal e nem figuras monárquicas; seus adornos são cocais indígenas, comprobatórios pelos grafismo esculpido ao redor da faixa da cabeça, identificados por mim quando da visita, conforme a figura abaixo:
2- Expressam contradição, típico do sentir barroco, sendo uma sorrindo e outro taciturno:se colocássemos uma peça lauburu exatamente sobre a pia, em sentido horário, com o zoomorfo aspergindo água (conforme Marcos 1,9-11) seria funcional o elemento água e ele o guia "da noite" pelo submundo na cultura azteca e olmeca, uma antítese (morte x vida, tristeza x alegria) que o artista quis exprimir.
É a divindade Xolotl !
Não propusemos a possibilidade de interferências sincreticas ou de inspiração clássica (comum para o teor universitário dos religiosos inacianos) de divindades gregas ou egípcias (Cérbero, Anúbis) porque as figuras indígenas explícitas fazem referência nativista (americana).
🎻🎶MÚSICA:Acesse e ouça clicando aqui uma peça musical jesuíta
Importa ressaltar que todo o século XVII e XVIII teve a presença artística das oficinas misioneras (escolas estilísticas) da Bolívia e do Peru, provenientes das regiões de Chuquisaca e Colleo.
Abaixo, temática naturalista e entalhes de arte de influência chuquisaca expressa no antigo (e mal restaurado) altar da Portaria do Convento São Bernardino de Sena, em Angra dos Reis-RJ.
Pode-se observar o movimento de resistência nativista, com escamas de peixe e flores nativas... |
Com a decadência das minas de prata e ouro desses vice-reinados...esses artífices indígenas e mamelucos migraram para a parte portuguesa, influenciando no entalhe e ourivesaria de retábulos de capelas de fazendas, conventos e igrejas.
2-O entorno próximo
A propriedade tem um enorme trecho de muro em pedra seca, com técnica cangicado no corpo e lajes lavradas por cima mede em torno de 300m lineares no trecho maior(que margeia o riacho defronte a sede, mas que continua até formar em L, sendo provavelmente a demarcação do pátio de secagem do café.
O visitante pode aproveitar as trilhas curtas e leves ao redor do belo lago espelhado, nos montes verdejantes ao redor e andar de cavalo e charrete.
Tocar carinhosamente os pôneis , brincar com os cães , ver tié- sangue ( Ranphocelus bresileus), saíras-sete-cores (Tangara seledon), azulão, e tantos outros espécimes passar a poucos metros de nós é um misto de aventura em família e experiência sensitiva pessoal.
A estrada mais atual do século XX, corta o terreno...
3- O entorno mais abrangente: vilas e estradinha com belos cenários.
As paragens naturais formadas por mar de morros, pastos , florestas, cercas e sítios formam um conjunto bucólico e em certos meses mais frescos como maio a julho, um ar mais temperado e com flores diversas...
A Vila de Três Vendas, que teve melhoramentos em 2019 como jardins, bancos de madeira e sinalização turística, é convidativa para um banho no bicão, uma cerveja gelada e conversas com nativos sobre os tropeiros, fantasmas e vida caipira..
4-As misteriosas ruínas e o Caminho da Calçada ou do Prezidente (com z mesmo...), do século XVIII.
O Caminho da Calçada, dará seu início em 1725, quando inicia a picada e muito arruinadamente se arrasta sua obra até 1778, muito depois de quase exauridas as jazidas auriferas de Minas Gerais e Goiás...e portanto, sem o perigo da pirataria da Baía de Sepetiba e da Ilha Grande...que era o objetivo da estrada.
Fomos visitar a famosa "pedra de Santo Antônio", que na verdade é uma grande rocha em forma de capuz franciscano...e que foi demarcada com uma placa de bronze, com as inscrições "Prezi...cia" mas faltam letras(dizem versões que é "da Província 1822" outras que é "Prezidencia de Avelino, 1847". Segue o mistério...
Ali está o trecho do calçamento do século XIX, dito Caminho da Calçada.
Visitamos outros sítios arqueológicos, paredões, terraças, enfim... muito material pra estudo e muita beleza cênica pra contemplar!
Terminamos com um café , chá e broa de milho...se aconchegando num cantinho próximo ao fogão a lenha, com decoração vintage e muito pessoal da Magna(o sofá e a radiola era do pai dela)...
Sabe quando você se despede mas sai uma lágrima furtiva...?Pois!
Para conhecer e agendar,acesse o sítio eletrônico:ACESSE O SITE OFICIAL
Prezado Carlos Eduardo! O que dizer da sua publicação, trabalho ,estudo ,relatório ou relato técnico carregado de conhecimento,paixão admiração e respeito pela nossa história? Digo então muito obrigado e o parabenizo por seu apreço,dedicação e interesse!Esperamos reve-los em breve ,para mais uma boa prosa e outras tantas descobertas!
ResponderExcluirSds , Alvaro Alexandre - Fazenda Santa Thereza .
Nós que agradecemos a acolhida, a leveza de todos e que bom que gostaram.
ExcluirEm breve nos revemos.
Um lugar encantador
ResponderExcluirVerdade.
ExcluirEXCELENTE MATÉRIA!E que lugar espetacular! Um grande abraço e Bom Trabalho, Álvaro Alexandre!
ResponderExcluirAgradecemos o incentivo!
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