sábado, 12 de março de 2022

EXPEDIÇÃO TÉCNICA JUSSARAL: A ESTAÇÃO FERROVIÁRIA FANTASMA

 1-O objetivo

A subExpedição Jussaral foi uma decorrência da Expedição Gamboa, onde aproveitamos o mesmo percurso. Estamos falando de uma estação ferroviária inaugurada em 1925!

A visita de documentação teve como foco uma observação da situação estrutural do casario e  da infraestrutura de apoio original, do entorno.

Logomarca da subExpedição

2-Um breve histórico

O chamado ramal SR-2 , de Barra Mansa a Angra dos Reis, singrando heroicamente as escarpas da Mata Atlântica por 108 km, foi muito movimentado até a década de 1990, sendo seu auge na ďécada de 1960, quando chegou a movimentar mais de 1 milhão de sacas de café! *

*http://vfco.brazilia.jor.br/ferrovias/vfco/ferrovia-SR2-RFFSA-Angra-Reis-1991.shtml

Algumas composições chegavam a ter 50 vagões (vazios/subida) e 3 a 4 locomotivas tipo G8  e a depender da carga, era dividida em 2 na Estação de Lídice e a locomotiva ia a Angra e depois buscava o outro trem de carga.

O uso foi interrompido em 2003 quando um desastre natural(chuva) destruiu com uma avalanche o bairro Areal, em Angra, com dezenas de mortes, tendo a ferrovia vários desabamentos em muitos trechos . A decadência se acentuou com a privatização do trecho a partir desse mesmo ano e piorou com a compra societária das ações da Vale S.A. pela V.L.I Multimodal S.A. em 2011. 

Há projetos e estudos desde 2015  para reimplantação e reforma; ciclovias, trens turísticos e o mais recente, um grupo empresarial de Minas Gerais...

2006

1995: http://www.estacoesferroviarias.com.br/
rmv_tronco/jussaral.htm
                                              

3- A Expedição

Dentro da perspectiva da pesquisa principal, fomos visitar as ruínas da Estação.

Percorremos a área por fora, visualizando os cômodos.

Após, fomos visitar uma propriedade rural próxima, de amigos, cuja construção antiga ali presente, provavelmente é do início do século XX.



Nome sumindo...

Um ferroviário deixou para trás?

Equipe

Túnel n°5

Obras de arte e engenharia
 impecáveis com 100 anos,
de responsabilidade
do engenheiro dinamarquês Jorgen  

Caminho com muito capim -navalha,
mas também bromélias diversas...

4-Descrição arquitetônica

A Estação Jussaral é um prédio em semi L invertido (parte construída/sede), de apoio logístico e de transição em caso de emergência, pois tinha trilhos paralelos(ainda presentes) para manobra.

Porta principal


Plataforma(foto antiga)

Fachada, com a porta principal.

Fachada com madeiramento
 do alpendre da plataforma de embarque.

Heróica caixa d'água das
máquinas, ainda de pé.

Iden

Constituída de uma plataforma de aproximada 25m (comp.)  x 4m (largura) em frente ao prédio principal, tendo ainda duas casas de funcionários a esquerda(na perspectiva da visão do mar) e uma extensão da plataforma a direita, provavelmente para expedição de bagagens ,cargas pequenas, Correios, etc. A sede principal tem 10m x 20m aprox.

Entre o casario principal e as duas casas há um banheiro externo (também observado na Expedição Teolifo-Jorgen).

Clique aqui e conheça a maravilhosa Expedição Teolifo-Jorgen

A área abrange como base uma extensa explanada construída sob alto talude, que vai até a borda do corte da ferrovia, na beira.

As paredes são constituídas de tijolos de adobe  (inteiriços) com argamassa, com cimento no reboco. Há detalhes em alto-relevo  externamente, como elemento decorativo na forma de faixas.



5-Epílogo

Assim, será que nós  chegamos num impasse neste século XXI, que na visão da temporalidade é apenas mais um marcador dentro da régua holocênica  , mas  no prisma da mentalidade contemporânea, as massas consumistas exigem um salto algorítmico quântico no transporte humano ante a um universo (ainda que meramente virtual) de terabytes, megapixels, nanotecno etc...?

Portanto , será que estamos como  numa mera prisão interpretativa, uma bolha, como aliás estavam os membros daquela esquecida sociedade da belle époque ou realmente estamos presenciando um portal novo que está criando a sedimentação de mais uma camada geoantropogênica nessa interface de jeitos de viver (e fazer!) de várias épocas que estamos estudando, na região?

Angra dos Reis, 05 de março de 2022

Carlos Eduardo 

Prof.Lic.His./Presidente do IPHAR

















terça-feira, 8 de março de 2022

EXPEDIÇÃO TÉCNICA GAMBOA: DESCOBERTA INÉDITA! ESCRAVIDÃO, FERRO E ÁGUA

 

1-O objetivo

A Expedição Gamboa está dentro do planejamento de 2022; sendo parte do trabalho de campo para coleta de dados com objetivo de alimentar nossos Estudos internos e gerar conhecimento inédito publicável em paper, que é um dos nossos focos.

Logomarca da Expedição, com o dístico temático:
 escraviďão,  ferro e água.





Contato interpessoal com os
amigos informantes é fundamental.


Serras dos sertões de Angra:
maravilhosas cachoeiras.

Casa de construção tradicional de pau-a-pique


Marcas do tropeirismo:
uru ou balaio de cipópeva ou imbé

2-A origem e os preparativos da Expedição

Nossas pesquisas prévias de documentos antigos e matéria arqueo-historiográfica , apontavam uma variante do  Caminho do Caramujo, que é outra descoberta totalmente pioneira nossa, que servisse de interfluxo com o Vale da Japuhyba; a Fazenda Japuhyba segundo algumas fontes, é de 1650.

Clique aqui e conheça o Caminho do Caramujo: descoberta inédita nossa!

 Porém a própria materialidade dessa estrada histórica era incerta: imersa em lendas, causos e relatos esparsos. Mas somos exploradores por excelência!

Seria a Faz. Japuhyba na verdade a
 Faz. Campinho citada por E.Pohl?

Faz.Japuhyba: entreposto do tráfico de escravos?

Fiz os contatos nativos necessários, onde fui acolhido de pronto por algumas lideranças que conhecem minha família e tem as direções práticas e tradicionais de rota, via afetividade  geoespacial natural. Os preparativos como sempre, são feitos com a convocação de membros do IPHAR e colaboradores ativos.

*Iohann Baptist Emanuel Pohl,  

 Pohl* , austríaco que inicialmente fez parte da Missão Austríaca trazida pela Imperatriz Leopoldina, para a seção de mineralogia, rompeu com o projeto e que empreendeu sua própria caravana por alguns sertões, vem vislumbrar-nos com a seguinte descrição:

"(...) chegamos a praia, já com o luar, subimos a uma eminência; às onze horas da noite demos com uma cabana, chamada Gamboa, numa íngreme ladeira sobre o mar. A região chamava-se Saco."

.
Pelas características narradas, um desses três promontórios (azul, vermelho e amarelo) podem ser a localização da cabana.

Igreja do Bom Jesus, de 1879.
Abandonada com tanta história...

Senhor Jesus e São Sebastião: 150 anos de fé

Crescimento urbano sobre áreas rurais


3- A nossa tese

Teorizamos que, por associação toponímica, seja a atual coordenada -22.954048,-44.313941 ,  coordenadas -22.956778,-44.311634 ou o ponto -22.960317,-44.307780, todos promontórios com afloramentos ígneos verticais, que tem as características relatadas pelo viajante citado, com proximidade ao quebramar.



Georreferenciamento e fotografias historiográficas
 e medições do terreno são nossas ações.





Assim, empreendemos marcha a partir do ponto "0" escolhido por nós, no caso, a antiga Igreja do Bom Jesus, hoje abandonada e marco histórico da expansão colonialista, sendo as margens do dito caminho da Banqueta, subimos a ladeira, que dá bela visão do bairro e ao fundo a Praia da Ribeira, seguimos até a bifurcação no topo do morro, onde a direita vai ao Vale da Banqueta e a esquerda, vai até a ferrovia. Cerca de 100m depois, já alcançamos o primeiro trecho de calçamento histórico de pedras semi lavradas .

4- As técnicas arquitetônicas

4.1-Piso

Inicialmente, eu esperava detectar o aspecto de datação regional mais comum: século XIX, com suas capistranas, moldura ou híbrido**.

Clique e conheça o Caminho histórivo do Caramujo. Expedição de 2019.

Nossa metodologia de janelas de amostragem ou Setores (sem limpeza de vegetação ou remoção de solo, ainda que superficial), é coletada em pontos demarcados de 2m² a 4m² ,escolhidos entre aqueles naturalmente expostos suficientemente para análise. Porém, constatamos uma antiguidade maior que outros Caminhos da região!

São lajotas que por sua volumetria, alcançam até 100 Kg!

A posição geral das peças de rochas lavradas do leito carroçável  formam um desenho primitivo e randômico, sem seguir o padrão moldura e sequer um híbrido, se aproximando um pouco da estilística do lageado, mas sem caracterizá-lo totalmente. 

Um fato é claro: foi feito por mão de obra da escravatura e nada tem a ver com os profissionais carvoeiros que atuaram na região na metade do século XX. Reafirmamos que este Caminho data ainda do século XVIII!



Há locais com centenas de peças pequenas em forma de cunha e outros com blocos enormes, mais planos, completando o espaço interno(recheio) da rua inteira.

É diferente e mais simples que qualquer pavimentação já estudada por nós.

4.1/1-Classificação

A cobertura em grande peças chamaremos de semi-lageado e a cobertura de cunhas e pedras pontiaguadas, denominaremos cunhal.


4.2-Bordaduras

Um aspecto extraordinário que percebemos, exprime caráter menos simplório a obra: a presença de bordaduras ,que visavam evitar o desbarrancamento das extremidades finais do arruamento, como uma espécie de eira ou arquitrave utilitária,  com função de arremate protetivo. Inédito!

4.3- Terraças ou Talude de aterro

As estruturas mega são montagens comuns nas estradas imperiais, vencendo contrafortes naturais e penhascos e que demonstram que, os engenheiros  e mestres de obra preferiam um enxerto do que os temíveis cortes (e infelizmente muito comuns no seculo XX).

No trecho não foi usada uma montagem que lembre o clássico do século XIX, cangicado, das edificações em pedra seca. Notamos apenas encaixes aleatórios de pedras lascadas e outras peças graníticas maiores retangulares raras e esparsas postas muito sem desenho.

Os perímetros das terraças estudados não foram medidos por nós a prumo, mas parece ter uns 75° a 90° e escolhemos 2 que mediu 3m x 3m (9m²)  cada um.

Terraça




5- Associação com o capital escravagista

Pela declividade do traçado , que alcança até 1612m em trecho ainda a ser feita prospecção, em contradição ao Caminho do Caramujo, relativamente mais retilíneo e com escarpas inclinadas em menor trecho, podemos supor  muito provavelmente que essa construção era uma estrada mais antiga, menos rebuscada em elementos de drenagem, tipologia de calcetamento mais simples e feita com mais urgência.

Também postulamos que tal Caminho era de serviço de movimentação de contingentes de milhares escravizados a partir do porto da Japuhyba. 

Acredito que um consórcio de fazendeiros teve ação nessa empreitada monumental, pois a grande engenharia , movimento de rochas nas minas e de acerto de massas de terra do terreno exigiu uma grande quantidade de operadores , tanto do serviço bruto/pesado quanto alguns técnicos. Óbvio, para facilitação do comércio.

Na década de 1990 ainda vi parte do que seria o porto,  sendo de pedra e logo depois soterrado pela Prefeitura para o aterro da rua que vai a praia.

A presença de 2 fontes de água no percurso, salvo se surgiram após a devastação dos anos de carvoarias de 1950-1970, também são evidências do uso de tropas e arrasto de escravizados em movimento.

6-Epílogo

O comércio negreiro teve nessas paragens muito mais movimentação do que  as tropas de muares e equinos carregando o nigrum aurum, o café. Temos convicção quase formada, que o desuso desse trecho, seguiu a tendência do vetor de desenvolvimento econômico regional que foi sendo direcionado cada vez mais do Vale da Japuhyba para o sul, em direção as novas passagens pela Serra do Mar, no Vale do Jurumirim, Ariró e Bracuhy, com seus movimentados portos. 

A pesquisa avança!


** Termo criado por nós na Expedição Lauburu

Clique aqui e conheça a Expedição Lauburu