A região da Costa Verde fluminense é uma das mais antigas em movimentação humana da América. E as trilhas de Mangaratiba -RJ fazem parte desses itinerários ancestrais, não só do período colonial e imperial, mas também da era holocênica (e seus desenvolvimentos humanos pré históricos).
1-Inicio
O objetivo dessa missão está dividido em dois eixos: identificar o piso da dita Estrada do Atalho de 1835 e outras estruturas e mapear antropológica e geograficamente a trilha serra acima Muriqui x Rubião.
A equipe formada teve o guia Alessandro do Café na Trilha (MTur ), o arquiteto Gil Fonseca, o pesquisador e especialista em miniaturas históricas 3D (de perspectiva real) Alex Rocha, a pesquisadora e apoio logístico Maria Célia e eu, como historiador.
2- A Vila do Saco ,
sua pujança e ruínas atuais(Parque) são apenas uma distante e pouco valorizada memória do que de fato representou aquela região.
As paredes bicentenárias , altas e imponentes dos lupanares, galpões de escravos, vendas para tropeiros e tavernas são o símbolo de uma época de entradas e saídas de milhares de viajantes, livres ou não, que movimentava a economia.
Paredões sem embolso, demonstram diversas tentativas de reformas e elementos estruturais enxertados em diversos períodos |
A construção da Estrada nova (ou do "Atalho") também significou uma nova injeção de dinheiro e demandas ao vilarejo; milhares de escravos , artesãos portugueses (lavra), piratas e até ingleses e escoceses, fez com que pequenas vendas e empórios se desenvolvessem ao longo do caminho.Diz-sr que o comércio humano escravista era praticamente livre.
Provável sobrado comercial e teatro |
A técnica construtiva do canjicado |
Em nossa incursão, observamos vandalismo das ruínas majestosas, com muita pichação e também algum enraizamento vegetal, o que enfraquece os paredões e sacadas. Porém, há alguns anos, a prefeitura tomou uma boa iniciativa de instalar bancos , correntes decorativas e iluminação artística, elementos que estão precisando de manutenção.
Porém, naquele núcleo urbano, apinhado de gente e ratos, pululavam murmuração e protestos contra impostos, apoio a pirataria e práticas anti imperiais...
3-Estrada do Atalho e sua configuração construtiva .
A estrada dita do Atalho, nada mais foi que uma nova rota privada para o mar. Porém, entre 1835-57 a estrada passou por vários problemas de manutenção, diversos contratos desrespeitados e a diminuição e desvio do fluxo de tropeiros e cargas devido a nova tecnologia ferroviária incentivada pelo Governo imperial, o que sucumbirá o empreendimento a falência.
A inovação dessa estrada se destacou na época foram as adaptações estruturais baseadas no clima e geografia, confirme conceitos de Thomas Belford, onde se usavam camadas de pedras maiores na base + pó de pedra compacto + argila prensada por rolo compressor na superfície (descrição de Almeida & Oliveira, 2022)
Os contratos assinados por Bernardino José de Almeida e pela Cia. Industrial de Mangaratiba determinavam, entretanto, que a estrada utilizasse o sistema moderno de John McAdam. No século XIX, o método sugerido pelo engenheiro escocês era amplamente utilizado na Europa e nos Estados Unidos da América. McAdam, ao final do século XVIII, constatara que a base rígida usada desde o período romano era dispensável, pois as tensões geradas pelas cargas dos veículos diminuem com a profundidade, não sendo necessário o uso de aglomerante, já que impede o escoamento das águas. |
Ali, nossa equipe percorreu o trecho correspondente desde a planície até o marco de quilometragem em pedra número "1". Ali pudemos identificar placas explicativas colocadas pelo Instituto de Arqueologia Brasileira -IAB. Também fomos aos atrativos fluviais como nomes de "poços".
Crianças brincando livremente |
Marca de bomba de dinamite |
A estrada tem muretas e terraças |
Atrativos de lazer sinalizados |
Marco de quilometragem "1" |
Placas de identificação arqueológica |
Detectamos boa conservação feita pela prefeitura, inclusive com limpeza da vegetação, mas já apresenta desmoronamento nas laterais em curvas, devido a lixiviação das torrentes pluviais.
4- A trilha, a Fazenda e as cachoeiras
Voltamos para o bairro do Saco e de lá, chamamos transporte de aplicativo , deixando nosso carro nas vagas públicas das Ruínas. De aplicativo subimos a Serra do Piloto e fomos até a entrada da Estrada do Rubião, onde fica uma pequena praça e escola .
6 .1- a posse da terra e a Igreja Católica como fator de proteção social
Seguimos em uma estrada larga, com vários sítios e fazendas pequenas, mas também a história recente se mostra bem clara: estruturas de religião cristã ainda estão de pé, como pequeno arraial com um Centro Pastoral e Cruzeiro .
Essas construções vem dos anos 1970-90, quando as terras devolutas e tomadas pelo Estado começaram a ser disputadas por posseiros antigos legítimos e a especulação imobiliária. A Pastoral da Terra, entidade da Igreja Católica, prestou assistência jurídica e espiritual aos sitiantes ameaçados, além de organiza-los.
Passamos por estruturas da Igreja Católica que realmente lembram a organização social e a religião em prol dos trabalhadores.
Centro de Formação , com Cruzeiro. |
6.2- a sede da Fazenda
A Fazenda Rubião é do século XIX. Sua origem remonta a um complexo de fazendas de produção de aguardente e alimentos diversos, que desde o século XVII.
Seu estilo atual é neoclássico dos 1800 com híbrido do início do século XX.
Igreja/capela |
Conjunto arquitetônico |
Roda d'água |
Nela existe um belíssimo lago e em volta um capela e uma roda d'água, formando um conjunto visual belíssimo de paisagem.
Há recentemente uma tentativa de receber hóspedes e visitantes mediante agendamento.
A fazenda já teve episódios famosos e traumáticos, desde um estrangeiro que do nada chegou com capangas em 1954 e tentou desmatar a serviço de um carvoeiro de Barra Mansa , até um traficante de cocaína colombiano que lá montou um laboratório, chamado Ivã Lespreto .
6.3- Continuamos a trilha..
Da estrada RJ-149, seguimos caminhando por vales, sítios e paisagens magníficas.
Rugosidade de uma árvore gigante |
Árvore da floresta ombrófila densa |
A estrada propriamente dito termina logo após a sede da fazenda, uns 800m, numa porteira. Ali pode-se abrir a porteira e passando entre cavalariças e currais, tem uma bifurcação, só pegar a direita e subir a montanha, agora, por trilhas, sem acesso de automóvel (ver foto e mapa de coordenadas). |
A subida após o fim da estrada |
Mirante natural |
Importante, já na trilha após a porteira e dentro da mata, tem uma bifurcação onde há uma placa escrita "fonte", siga subindo, não entre em caminhos opcionais.
É o caminho do cume para a vertente da serra do mar/Mata Atlântica...de onde se descreve e começam os atrativos maiores as cachoeiras.(Ver fotos e mapa de coordenadas).
Após o chamado cocuruto ou em linguagem formal, o cume ou vertente da Serra marítima, começamos a descer por um caminho de trilha sombreado e com muitas bifurcações, certamente de caçadores e mateiros, mas continue descendo. Infelizmente, as entradas das belas cachoeiras não tem indicação, por isso um guia nativo é importante.
Véu de Noiva eo símbolo das Olimpíadas Rio 2016 |
Cachoeira do Palhaço |
Cachoeira da Bota |
É ali na região frontal ao mar, acima dos bairros Muriqui, Cachoeira 1 e Cachoeira 2 que estão as Cachoeiras Véu de Noiva (símbolo da Olimpíada), do Palhaço e da Bota.
6.4-Epilogo
Assim, mais uma trilha e estudos foi feita. Com boa equipe , conseguimos amealhar mais dados e registros historiográficos, alguns inéditos, para nossas prospecções de campo, além de uma experiência sensorial múltipla.
Carlos Eduardo da Silva
Prof Lic.
Pres.IPHAR
Sábado, 22 de junho de 2024